"... estamos perante um fresco de violência, é certo, um fresco de carne violentada, mas onde domina sobretudo o tormento da alma, a razão de consciência."
Com esta frase, José Cardoso Pires no prepácio que fez para a primeira edição desta obra em Portugal (Ulisseia 1958), resume de uma forma excelente o cerne e o conteúdo deste livro.
Os Nus e os Mortos, o primeiro romance do famoso escritor Norte-Americano Norman Mailer, descreve (baseado nas suas próprias experiências de guerra) as aventuras e desventuras, os conflitos, as amizades, inamizades, as suas lutas interiores, os seus carácteres, fraquezas e coragens de um grupo de soldados Norte-Americanos, pertencentes ao mesmo pelotão.
A história começa com a invasão de uma ilha do Pacífico Sul ocupada pelos Japoneses pelo exército americano e a partir daí é uma profusão e um crescendo de acontecimentos e emoções até ao clímax da acção.
O pelotão de reconhecimento onde pertencem estes soldados, está fragmentado e incompleto devido à campanha anterior onde morreram uma série de soldados pertencentes ao mesmo, sendo reforçado com alguns soldados novos, logo aí inicia-se o primeiro ponto de discórdia e conflito, entre os novos elementos e os veteranos. Após a invasão da ilha o pelotão é colocado na retaguarda, fazendo trabalhos "menores", como a construção de uma estrada ou a descarga de materiais diversos, o que provoca um mau estar e um estado de ansiedade. Paralelamente a isto, existe também a visão dos oficiais, onde temos o general, comandante geral da invasão, soldado de carreira, muito inteligente e marcial, com uma visão do mundo e da guerra muito rígida e recta, mas depois em oposição temos o seu ajudante, um jovem tenente, idealista, liberal e com ideias de esquerda, oriundo de uma grande família industrial. Este choque de ideias e pensamentos, vai provocar uma guerra surda entre o general e o tenente, deixando aflorar ódios e cinismos na relação entre cada um deles.
Com o andamento da invasão, e após um grave desentendimento entre eles, onde a disciplina e a conduta do tenente é posta à prova, é entregue o comando do pelotão ao tenente e são enviados numa missão atrás das linhas japonesas.
A partir daqui, todo o pelotão é posto à prova, toda a sua força, coragem, emoções e resistência são testados, os ódios antigos entre cada soldado vêm ao de cima, a carga emocional vai crescendo à medida que se vão infiltrando no interior da ilha e os acontecimentos vão se sucedendo numa escalada imensa, até se chegar ao ponto de ruptura emocional e físico de um ser humano.
Para além de toda a acção passada na guerra, os combates contra os japoneses, o combate contra a própria ilha, contra o clima, contra a exaustão, Norman Mailer utiliza intervalado na acção decorrente flashbacks do passado das várias personagens e assim de certa forma conta a História dos Estados Unidos da América durante as décadas de 20; 30 e 40 do séc. XX, fazendo igualmente uma crítica social às diversas classes sociais, desde os mais pobres aos mais ricos.
Aborda também na relação entre os soldados, o anti-semitismo que existia igualmente no exército e no pensamento americano.
Este livro é muito intenso, pesado, e por vezes cruel, descreve as relações humanas levadas ao seu máximo, a resistência física e moral de cada pessoa, as suas virtudes e os seus podres, mas faz-nos pensar também naquilo que realmente somos, na hipocrisia que está dentro de nós sem sabermos e no que nos poderemos tornar em situações de extremos como são as que acontecem no livro, será que somos Homens ou Monstros?
A edição que li é a mais recente, editada pela D. Quixote, que é igulamente a edição comemorativa dos 60 anos da obra (1948-2008), vem numa caixa, é a versão integral da obra e traz igualmente como referi no início do post o prepácio que José Cardoso Pires escreveu para a primeira edição portuguesa e uma introdução do próprio Norman Mailer que escreveu para a edição comemorativa dos 50 anos.
Há muito tempo que um livro não me "impressionava" tanto como este, a prova disso é o tempo que o demorei a ler, quase um mês!