domingo, 20 de setembro de 2015

"Stoner" - John Williams


Como é possível escrever um livro sobre uma pessoa sem ambições, conformada com a vida, que aceita as adversidades praticamente com um "encolher de ombros" e esse mesmo livro conseguir ser de uma beleza indescritível e fazer com que nos apeguemos tanto a essa mesma personagem ao ponto de quase querermos entrar no livro para fazermos alguma coisa contra essa sua apatia...
Pois foi esta sensação que tive ao ler este livro de John Williams.
Em 1910 William Stoner o personagem principal, filho único de um casal de agricultores pobres, por vontade dos pais entra na universidade, para o curso de agricultura, alojando-se em casa de uns primos e trabalhando para eles fora das horas das aulas como forma de pagamento desse mesmo alojamento, vai aos poucos e poucos inserindo-se na universidade e no estudo, não sendo um aluno brilhante vai se "safando" até que um dia no segundo ano tem uma cadeira nova no semestre, Literatura Inglesa dada pelo professor Sloane.
Stoner apaixona-se pela disciplina e troca de curso, faz a licenciatura e é convidado a ficar na universidade para continuar o mestrado. Entretanto rebenta a I Guerra Mundial mas Stoner não se alista e fica a terminar o mestrado.
Após a guerra terminar, Stoner é convidado a ficar na universidade a dar aulas e aí fica até se reformar e morrer.
Mas a vida de Stoner vai ser uma vida apática, conhece e casa com Edith, mas este casamento vai ser sempre um casamento falhado, Edith é uma pessoa fria que casa sem amor com Stoner, têm uma filha que também será usada por Edith para dificultar o seu casamento, também na universidade Stoner tem um grave conflito com um colega que o irá perseguir durante toda a sua carreira, inclusive na única altura da sua vida em que ele é feliz devido a um relacionamento amoroso intenso com Katherine, uma professora assistente mais nova que ele que estava a também a fazer um mestrado na universidade.
Apesar de todas estas vicissitudes Stoner sempre aceitou o seu destino, nunca lutou, a sua única preocupação é a universidade, o estudo e ser um bom professor, nunca quis cargos mais altos e prescindiu do amor e da felicidade em prole disso.
Apesar de aparentemente este livro não ter os ingredientes necessários para não ser um grande livro, é justamente isso mesmo que ele é, um grande livro...
Uma história e uma personagem com uma beleza interior enormes, uma paz de espírito sem precedentes, e por debaixo de uma fraqueza e uma apatia perante as adversidades da vida, encontra-se uma força interior grandiosa e irradiante de uma pessoa que tudo fez para que o seu grande amor e objetivo de vida se concretizassem nos moldes mais corretos e puros.
John Williams ele mesmo uma espécie de Stoner, foi também professor universitário, apenas escreveu quatro livros em vida, nunca alcançou grande sucesso e só anos mais tarde após a sua morte é que este seu livro foi redescoberto e então reconhecido como um excelente livro e ele um excelente escritor.
Pela sua sensibilidade este livro tocou-me e gostei bastante.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

"O Almirante Português" - Jorge Moreira Silva


Este é o primeiro livro de ficção de Jorge Moreira Silva.
Jorge Moreira Silva, é oficial superior da Marinha Portuguesa, (quem me conhece sabe que tenho uma grande ligação com este ramo das Forças Armadas), com cerca de vinte e sete anos de carreira, que já prestou serviços em diversos navios e participou em várias missões importantes, como a da Guiné-Bissau em 1998 ou em Timor em 2000, para além de oficial da Armada é igualmente "Mestre" em História Marítima com diversos livros e artigos científicos publicados.
Ao saber disto tudo, naturalmente que este livro me despertou uma grande curiosidade.
O livro pode ser dividido em duas partes, uma maior onde se passa a maior parte da acção do mesmo e outra mais pequena onde após vários anos depois se mostra o destino das diversas personagens.
A acção inicia-se trinta anos depois dos acontecimentos principais onde uma das personagens está preste a ser enforcado e começa a recordar o passado, aí somos transportados para o fim do século XVIII (1798) período do inicial das guerras Napoleónicas, onde Portugal envia uma esquadra de navios de guerra para o Mediterrâneo comandados por D. Domingos Xavier de Lima, o Marquês de Nisa, personagem principal do livro, para auxiliar a esquadra Inglesa comandada por Lorde Nelson.
Chegados aos Mediterrâneo, os portugueses vêm-se envolvidos em diversos acontecimentos militares como o cerco a Napoleão no Egipto, o bloqueio da ilha de Malta, várias acções contra os piratas do norte de África e a reconquista de Nápoles, episódio esse que será o clímax da acção.
Após estes acontecimentos no Mediterrâneo vem a segunda parte, que trata do destino das diversas personagens durante o resto das guerras Napoleónicas, a fuga da família real para o Brasil, a independência do mesmo, e o início da guerra civil em Portugal entre absolutistas e liberais.
Para além de toda esta parte de acção o livro também tem a parte humana, amor, intriga, traições, política, (principalmente a difícil relação entre Portugal e a Inglaterra), uma panóplia de situações, emoções e acontecimentos que fazem com que este livro seja de uma leitura agradável e envolvente.
De referir, que quase todas estas personagens existiram mesmo e que quase todos estes acontecimentos foram reais, o autor no fim do livro fez uma nota explicativa onde nos mostra o que é história e realidade e o que é ficção, temos também um glossário com os significados dos diversos nomes e expressões náuticas e de marinharia, que a maioria das pessoas não conhece.
O livro é muito interessante, bastante fácil de se ler, a acção é encadeada e coordenada o que torna este livro de rápida leitura, muito ao estilo da famosa saga "Master and Commander" de Patrick O'Brian, também passada na mesma época histórica.
Apenas penso que este livro tem temática para um pouco mais, mas sendo o primeiro livro de um autor que nada tem a ver com a vida literária até acho que está bastante aceitável, espero que o sr. Cmdt Jorge Moreira Silva continue com esta sua "aventura literária" e fico a aguardar o(s) próximo(s) livro(s).

terça-feira, 15 de setembro de 2015

"O Fio da Navalha" - Somerset Maugham


Este é o primeiro livro que leio de Somerset Maugham, escritor britânico que nasceu e morreu em França e que durante a sua longa vida percorreu o oriente, onde foi buscar muita da inspiração para a sua também extensa obra literária, sendo este livro um exemplo disso mesmo.
Este livro de Somerset Maugham, é nos contado na primeira pessoa, sendo o próprio escritor, narrador e participante na acção.
Maugham, numa das suas viagens ao oriente faz uma escala de várias semanas em Chicago, onde é convidado para um almoço por Elliott Templeton, um comerciante de arte e "socialite" Norte -Americano mas radicado em Paris seu conhecido, nesse almoço Maugham conhece a irmã de Elliott, Louisa Bradley, a sua filha Isabel e o respectivo namorado Larry Darrel que é sobre quem se centra toda a acção deste livro.
Larry Darrrel durante a I Guerra Mundial, serviu como piloto da Força Aérea em França, aí vê o seu melhor amigo a morrer para o salvar durante um combate aéreo e isso o vai transformar para o resto da vida.
Com o fim da guerra, após o regresso aos Estados Unidos, Larry começa a namorar Isabel e torna-se noivo dela, mas Larry voltou mudado, não tem interesse por nada, não sente vontade de trabalhar, torna-se apático, mas com com uma enorme sede de conhecimento.
Naturalmente para a efervescente sociedade Norte-Americana da década de 20 do século passado isso é considerado estranho e a família de Isabel tem muitas reservas, mas o amor de Larry por Isabel e de Isabel por Larry é muito forte e vai seguindo em frente apesar de tudo.
Larry decide voltar à Europa, nomeadamente Paris durante dois anos para a sua "busca" de conhecimento e Isabel decide esperar por ele. Ao fim desses dois anos aproveitando uma visita que faz a Paris e ao seu tio Elliott, reencontra Larry que cada vez mais se encontra embrenhado na sua sede de conhecimento, aí Larry que vive como um "asceta" num pequeno quarto alugado, sem se preocupar com conforto ou vida social propõe casamento a Isabel, mas Isabel que oriunda de boas famílias e sempre habituada ao conforto e à riqueza não aceita e rompem o noivado.
Entretanto, Larry desaparece, Isabel volta a Chicago onde casa com Gray Maturin, um jovem corretor na bolsa e os anos passam...
Em 1929 dá-se o "crash" na bolsa, Gray e Isabel perdem tudo, mas o seu tio Elliott que conseguiu passar incólume com a queda da bolsa, ajuda-os, vai viver para a Riviera Francesa e cede a sua casa de Paris a eles, entretanto Larry regressa e reencontra Gray e Isabel, surge uma nova personagem Sophie MacDonald que irá ter um papel preponderante para o desenlace final.
Tudo isto nos é contado através de Maugham que apesar de não ser um amigo chegado das personagens, (e talvez por essa mesma razão, se torna uma espécie de confidente deles), tem muitas conversas e desabafos com elas ao longo dos anos e é através dessas mesmas conversas e desabafos que nos relata a história de Larry e Isabel. Por ele ficamos também a saber o que foi de Larry durante os dez anos que esteve ausente, as suas viagens primeiramente pela Europa e depois pela Índia, país onde esteve durante cinco anos e onde finalmente atinge ou aproxima-se ao tão desejado "conhecimento".
Este livro para além da história de Larry e Isabel, mostra-nos a rápida mudança que houve nas primeiras décadas do século XX, onde em menos de nada se passa de uma sociedade "vitoriana", com classes sociais demarcadas, ao horror da guerra, ao renascimento e à "loucura" da década de vinte e depois novamente à crise e desespero da década de trinta que culminou com outra guerra mundial.
Outra situação também aqui retratada é a sede de conhecimento, mas um conhecimento interior, um misticismo, uma fé em algo superior seja o Deus dos cristãos ou as divindades hindus, que traz a Paz, a santidade e compreensão aos Homens.
Bastante bom e fácil de ler este livro de Maugham, considerado um dos seus melhores.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

"Roma" e "Império" - Steven Saylor


Hoje não venho falar de um livro, mas sim de dois livros...
Como é sabido de quem segue este blog sou um grande fã dos chamados "romances históricos" e umas das épocas e civilizações que mais me fascinam são os Romanos e o seu império.
Como se pode depreender pelo título dos livros, "Roma" e "Império" é sobre esses mesmos assuntos que eles tratam.
Steven Saylor, o autor destes livros é formado em História e também tem este período da História como preferido o que logo daí advém uma segurança quanto ao rigor dos livros em termos históricos.
Mas falando dos livros em si, o primeiro livro a ler é "Roma", que inicia a sua acção na idade do ferro, quando os primeiros povos chegam à região que hoje é Roma e aí se estabelecem, a partir daqui Steven Saylor inicia a sua "história" de Roma através de duas famílias os "Potícios" e os "Pinários" e de um amuleto que representa um deus ancestral, o "fascinum" que é passado de geração em geração pelos personagens acompanham-do-os até ao fim.
No livro "Roma" é descrita a criação da cidade Roma e todas as lendas e acontecimentos relacionados com ela, a vinda de Hércules e a luta dele com o monstro "Caco", Rómulo e Remo, e como Rómulo mata Remo e se torna rei de Roma, os reis que se seguiram, principalmente Tarquínio e o famoso episódio da violação de Lucrécia que faz com que se acabe a monarquia e se dê início à República Romana, o ataque a Roma do traidor Coriolano, (episódio onde se dá a queda da família Potício) o Decínvurato e as dozes tábuas que são a base do direito romano, a invasão e saque de Roma pelos gauleses, as guerras Púnicas com Cartago e o seu general Aníbal, os irmãos Gracos, a ditadura de Sulla e Júlio César e respectivo assassinato.
O período abrangido por este  livro termina com a morte de Cleóptra e Marco António e a coroação de Octávio como primeiro imperador de Roma.
Todos estes acontecimentos são nos descritos através da intervenção e olhar dos membros das famílias Potício e Pinário que foram intervenientes nestes acontecimentos e em que a certa altura se dá a extinção dos Potícios e sua junção aos Pinários.
No segundo livro, já temos Octávio Augusto como primeiro imperador, a época áurea do império e continuamos com a mesma fórmula, agora só temos os Pinários e é através deles que vamos conhecer os imperadores e acontecimentos mais importantes a seguir a Octávio, Tibério e Calígula com os seus excessos e devassidão, o assassinato de Calígula, e como Cláudio se seguiu como imperador, Nero com a sua excentricidade o incêndio de Roma, a perseguição dos cristãos, a entrega do império a Vespasiano após a morte de Nero, os filhos de Trajano o bondoso Tito e depois Domiciano, Trajano com a sua opulência e o livro termina com a morte de Adriano, encerrando assim cerca de mil anos da História de Roma e do seu império.
Estes dois livros estão muito bem conseguidos, Steven Saylor, tal como Max Gallo já tinha feito na sua série "Os Romanos" ao pôr a descrição dos acontecimentos através de intervenientes directos que participam e nos mostram toda a acção, ao longo das épocas faz com que o que poderia ser maçador se torne empolgante e emocionante, faz-nos sentir as emoções, as alegrias, as tristezas, os medos as inseguranças que as pessoas tinham nestas épocas tão conturbadas e efervescentes da história do Homem.
Além disso estes livros são de um rigor histórico excelente, apesar de no primeiro livro ser mais difícil porque a fundação de Roma e os seus primeiros anos são muito "dúbios", Steven Saylor descreve essas épocas e acontecimentos mais pela razão do que pela lenda, sendo exemplo disso as próprias famílias Potícios e Pinários que existiram mesmo.
O segundo livro é muito mais fácil porque a época abrangida é muito estudada e conhecida, sendo fácil seguir o rigor histórico.
Outra coisa que adorei nestes livros para além da acção é a descrição da sociedade Romana, os seus usos, costumes, religiões, mitologias, política, a mutação da cidade em si, o seu crescimento desde uma pequena aldeia até ser o centro do mundo, os seus monumentos, a via ápia, o panteão, o coliseu, a coluna de Trajano, e a sua urbanidade.
Estes livros são a meu ver "obrigatórios" a todos os que se interessam por Roma e pelos Romanos e que queiram saber mais sobre isso através de visão participativa em vez dos livros académicos, gostei imenso e recomendo.