terça-feira, 21 de outubro de 2008

Um Saramago do séc. XVII


Estava eu entretido e envolvido na minha leitura das aventuras de capa e espada do Capitão Alatriste, quando leio esta magnífica passagem:
- "Com sotaque lusitano argumentou outro, como consolo, (...). O dito correspondia a um valentão com colete até aos joelhos, escorrido de carnes e de cabelo, que era grisalho, abundante e frisado em redor de um crânio respeitável queimado pelo sol. Tinha sido teólogo em Coimbra, dizia-se, até que um mau lance o levou ao caminho da canalha. Todos o tinham por homem de leis e letras, além de toledana, era conhecido como Saramago, o Português, tinha ar de fidalgo e comedido, e dizia-se dele que despachava almas por necessidade, poupando como um judeu para poder imprimir, à sua custa, um interminável poema épico em que trabalhava há cerca de vinte anos e que contava como a Península Ibérica se separava da Europa e ficava a flutuar como uma jangada no oceano, tripulada por cegos. Ou coisa que o valha."

Arturo Pérez-Reverte "O Ouro do Rei" - As Aventuras do capitão Alatriste

Quem diria que tinha havido um antepassado do Saramago, com os mesmos hábitos do Camões e mercenário em Espanha!!!!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Senhor Brecht - O Artista



O artista insultou um cirurgião dizendo que este só salvava o corpo enquanto ele, como artista, salvava o espírito.
Um dia o artista teve um acidente, entrou no hospital e foi salvo pelo cirurgião.
Anos mais tarde o cirurgião, a meio de uma conversa entre os dois, sucumbiu, e como o artista não conhecia as técnicas de reanimação, o amigo morreu nos seus braços.
O morto foi enterrado juntamente com uma valiosa tela do artista, o que muito sensibilizou os presentes.

Excerto de O senhor Brecht de Gonçalo M. Tavares - série O Bairro

sábado, 18 de outubro de 2008

O Jogo do Anjo - Carlos Ruiz Záfon


Amigos(as), ontem (hoje) estive até às 4 da madrugada a acabar de ler "O Jogo do Anjo", o livro é tão bom, a escrita e a história tão envolvente que fiz quase uma directa para o acabar de ler.
"O Jogo do Anjo", de Carlos Ruiz Záfon, é o sucessor (bem conseguido, diga-se) de "A Sombra do Vento", que tanto sucesso fez e que igualmente tanto me impressionou.
A acção de "O Jogo do Anjo", decorre numa Barcelona, antes da guerra civil espanhola, tão bem descrita que até parece que vivemos lá, e com uma envolvência misteriosa que nos abraça e nos faz cair na história "de cabeça" e tornando a própria cidade numa personagem.
Tal como em "A Sombra do Vento", a acção corre à volta de um escritor "esquecido", um livro "maldito" e uma história de amor impossível . É a única coisa que aponto como menos boa, por vezes para quem leu o livro anterior dá uma ligeira sensação de repetição, mas logo esquecida devido à qualidade da história.
Além destes elementos todos, também há uma aura de fantástico, de misticismo e religiosidade que torna ainda melhor a história.
Como personagens centrais neste livro temos igualmente a família Sampere e o Cemitério dos Livros Esquecidos, com o seu famoso guardião.
Não é necessário ler "A Sombra do Vento", para se ler este livro, são histórias totalmente independentes, mas em certos aspectos e pormenores geneológicos, ajuda para nos integrarmos melhor nos personagens.
Eu simplesmente adorei o livro, achei-o tal como o anterior de uma genialidade e sensibilidade maravilhosa, recomendo a sua leitura a todos, de certeza que irão ter uma opinião igual à minha.
Como devem de compreender não vou deixar nenhum resumo do livro porque há muita gente que o está a ler e isso só ia estragar a sua leitura.

O Senhor Juarroz - O Aborrecimento

Como a realidade era para o senhor Juarroz uma matéria aborrecida ele só deixava de pensar quando era mesmo imprescindível. Eis algumas situações em que era obrigado a deixar de pensar:
- quando falavam com ele muito alto
- quando o insultavam
- quando o empurravam
- quando tinha de utilizar qualquer objecto útil à sua volta.

Por vezes, mesmo nas situações atrás descritas, o senhor Juarroz não saía dos seus pensamentos e por isso os outros supunham que ele:

- era surdo (porque não ouvia quando falavam com ele muito alto)
- era cobarde (porque o insultavam e ele não reagia)
- era desastrado (porque pegava mal nas coisas, deixando-as cair ao chão).

No entanto, ele não era surdo, nem cobarde, nem desastrado. Simplesmente, para o senhor Juarroz, a realidade era uma matéria que aborrecia.

Excerto de O Senhor Juarroz - Gonçalo M. Tavares (série O Bairro)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Rebeldes - Sándor Márai



Sándor Márai, escritor Húngaro, contemporâneo de Musil, e que tal como ele infelizmente pouco conhecido, escreveu vários livros muito bons, sendo este "Rebeldes" um deles.
Este livro, "Rebeldes" trata da história de um grupo de jovens adolescentes numa pequena cidade Húngara, no periodo final da I Guerra Mundial.
Este grupo de jovens, com os pais fora a combater, sente-se livre e independente e formam um "Bando" onde libertam toda a sua fúria e liberdade com jogos, mentiras, intrigas e roubos.
Conhecem igualmente um actor de uma companhia de teatro local que vai ser uma peça fundamental para o desenrolar da acção.
Tal como Musil no seu livro "As Perturbações do Pupilo Torless", Márai com esta história aborda vários temas complexos que eram comuns à juventude dessa época (e da nossa igualmente), como as grandes amizades, o despertar da sexualidade e do erotismo, a liberdade, o amor, a intriga, a traição e tudo o mais que nos perturba na passagem da adolescência à idade adulta.
O livro aborda também a época, retratando a sociedade e costumes de uma forma muito intensa e emocional.
O livro tem cerca de 240 páginas, com algumas partes menos fáceis de se ler, mas no geral é agradável e envolvente.
Como já devem de se ter apercebido achei-o, talvez devido à temática, muito parecido ao livro de Musil que referi no post, mas isso também se deve a serem contemporâneos e oriundos da mesma zona da Europa e estarem por isso integrados em sociedades muito iguais.
Gostei de o ler e recomendo

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O Senhor Henry - A Realidade


O senhor Henry disse: se um homem misturar absinto com a realidade obtém uma realidade melhor.

... podem crer, excelentíssimos ouvintes, que vos falo, não por via de uma erudição, que sem dúvida alguma possuo em grandes quantidades; mas não, não é por aí que a minha voz vem.

... a minha voz vem da experiência, caros concidadãos!

... é verdade que se um homem misturar absinto com a realidade fica com uma realidade melhor.

... mas também é certo que se um homem misturar absinto com a realidade fica com um absinto pior.

... muito cedo tomei as opções essenciais que há a tomar na vida - disse o senhor Henry.

... nunca misturei o absinto com a realidade para não piorar a qualidade do absinto.

... mais um copo de absinto, caro comendador. E sem um único pingo de realidade, por favor.


Excerto de "O Senhor Henry" da série "O Bairro" de Gonçalo M. Tavares

domingo, 12 de outubro de 2008

Pink Floyd - Wish You Were Here


So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skys from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you to trade
Your heros for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears.
Wish you were here.


Waters/Gilmour

O Senhor Valéry - Os Dois Lados


O senhor Valéry era perfeccionista.
Só tocava nas coisas que estavam à sua esquerda com a mão esquerda, e nas coisas que estavam à sua direita com a mão direita.
Ele dizia:
-O Mundo tem 2 lados: o direito e o esquerdo, tal como o corpo; e o erro surge quando alguém toca o lado direito do Mundo com o lado esquerdo do corpo, ou vice-versa.
Seguindo escrupulosamente esta teoria, o senhor Valéry explicava:
-Eu dividi a minha casa em dois, com uma linha.
E desenhava
Defini um lado direito e um lado esquerdo
-Assim, para os objectos do lado direito reservo a minha mão direita, e vice-versa.
Nesse momento, perante uma dúvida colocada por um amigo, o senhor Valéry explicou:
-Aos objectos muito pesados coloco-os exactamente com o seu centro na linha.
E desenhou
-Assim - explicava o senhor Valéry - posso carregá-los utilizando a mão esquerda e a mão direita, desde que tenha o cuidado de os transportar com o seu centro exactamente sobre a linha divisória.
-Para os objectos leves - continuou o senhor Valéry - não necessito de tantas preocupações: mudo-lhes a posição apenas com uma das mãos. A mão certa, claro.
-Mas como manter esse rigor em todas as situações? - perguntou-lhe o mesmo amigo: - Quando o senhor Valéry está de costas, por exemplo, como sabe qual a parte direita e esquerda da casa?
O senhor Valéry mostrou-se quase ofendido com a questão, pois não gostava de ser posto em causa, e respondeu, bruscamente:
-Eu nunca viro as costas às coisas.
(Isto era o que o senhor Valéry dizia, mas na verdade, para nunca se enganar, havia pintado todo o lado direito da casa, incluindo os seus objectos, de vermelho, e todo o lado esquerdo de azul. Assim se percebia melhor a verdadeira razão de o senhor Valéry ter pintado a sua mão direita de vermelho e a esquerda de azul. Não tinha sido um acto estético, como ele dizia. Era bem mais do que isso.)
Extracto de "O Senhor Valéry" de Gonçalo M. Tavares

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Os Romanos - Max Gallo



Recentemente terminei de ler o primeiro volume da série "Os Romanos" escrito por Max Gallo
Max Gallo, francês doutorado em Letras e professor de História, foi igualmente jornalista e político, sendo inclusivamente comissário e deputado europeu, já escreveu mais de 90 livros sendo famoso pelas suas biografias de personagens históricas, vem com esta série de cinco livros focar-se na história do Império Romano.
Pegando em personagens chaves de cada época do Império e através das suas histórias, mostra-nos a sua evolução, a sua vida social, a sua política e as suas guerras.
Com um rigor histórico impressionante, mas sem deixar que isso atrapalhe a acção ficcionada, Max Gallo presenteia-nos com um narrativa cheia de acção e descrição, principalmente nas partes relacionadas com batalhas, guerras e nas lutas corpo a corpo.
As descrições por vezes são tão empolgantes que parece que estamos a assistir a essas mesma lutas.
Naturalmente com este realismo há certas partes mais "pesadas" e violentas que nos põem a pensar como os homens se tratam uns aos outros e sobre a falta de humanidade dos mesmos.
O primeiro livro, que é sobre Espártaco, o escravo que liderou uma grande revolta na época a República, põe-nos a pensar sobre o sentido de liberdade e naquilo que somos.
Os volumes da série são:
Espártaco - A Revolta dos Escravos
Nero - O Reinado do Anti-Cristo
Tito - O Martírio dos Judeus
Marco Aurélio - O Martírio dos Cristãos
Constantino, O Grande - O Império de Cristo
Os livros são editados pela ASA
Recomendo a sua leitura e de certeza que os apreciadores de Romance Histórico irão concordar comigo em relação à sua qualidade.

domingo, 5 de outubro de 2008

Tempo dos Assassinos - Jorge Palma


Quero o silêncio do arco íris
Quero a alquímia das estações
Quero as vogais todas abertas
Quero ver partir os barcos
Prenhos de interrogações

Amo o teu riso prateado
Como se a lua fosse tua
Vou pendurar-me nos teus laços
Vou rasgar o teu vestido
Eu quero ver-te nua

Vivemos no tempo dos assassinos
Tempo de todos os hinos
Ouvimos dobrar os sinos
Quem mais jura
É quem mais mente

Vou arquitectar destinos
Sou praticamente demente.......

Eu quero ver-te alucinado
Eu quero ver-te sem sentido
Sem passado e sem memória
Quero-te aqui no presente
Eternamente colorido

Porque abomino o trabalho
Se trabalhasse estava em greve
Se isto não te disser tudo
Arranja-me um momento mudo
O menos possível breve

Vivemos o tempo dos assassinos
Tempo de todos os hinos
Ouvimos dobrar os sinos
Quem mais jura
É quem mais mente

Vou arquitectar destinos
Sou praticamente demente.......

Amo o teu riso prateado
Como se o Sol só fosse teu
Vou pendurar-me no teu laço
Amachucar-te essa camisa
Como se tu fosses eu
Como se tu fosses eu
Como se tu fosses eu


Jorge palma

sábado, 4 de outubro de 2008

Os Homens Que Odeiam as Mulheres


Um dos vários livros que li durante o periodo em que estive afastado do blog, foi "Os Homens Que Odeiam Mulheres", de Stieg Larsson, pertencente à trilogia "Millenium"
O livro, tem um pouco mais de 400 páginas e li-o em 2 dias.
A história, evidentemente não é nenhuma obra-prima e até podia estar um pouco mais desenvolvida em certos aspectos, mas no geral consegue prender o leitor e criar um clima, não digo de suspense, mas de dúvida e curiosidade.
Larsson, pega em vários temas "quentes" da actualidade, como a alta finança, as novas tecnologias, a ética jornalística e mistura tudo numa demanda em busca de alguém que desapareceu há 40 anos e de quem ninguém sabe o que lhe aconteceu.
Junta igualmente o "lado negro" dos homens, o sadismo e o desrespeito por outros seres humanos.
No conjunto é um livro que prende o leitor (a mim pelo menos) do princípio ao fim.
Recomendo, é uma boa leitura para quem quer passar um bom pedaço de tempo a ler, sem ter de puxar muito pela cabeça.

Sinopse

"O jornalista de economia MIKAEL BLOMKVIST precisa de uma pausa. Acabou de ser julgado por difamação ao financeiro HANS-ERIK WENNERSTÖM e condenado a três meses de prisão. Decide afastar-se temporariamente das suas funções na revista Millennium. Na mesma altura, é encarregado de uma missão invulgar. HENRIK VANGER, em tempos um dos mais importantes industriais da Suécia, quer que Mikael Blomkvist escreva a história da família Vanger. Mas é óbvio que a história da família é apenas uma capa para a verdadeira missão de Blomkvist: descobrir o que aconteceu à sobrinha-neta de Vanger, que desapareceu sem deixar rasto há quase quarenta anos. Algo que Henrik Vanger nunca pôde esquecer. Blomkvist aceita a missão com relutância e recorre à ajuda da jovem LISBETH SALANDER. Uma rapariga complicada, com tatuagens e piercings, mas também uma hacker de excepção. Juntos, Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander mergulham no passado profundo da família Vanger e encontram uma história mais sombria e sangrenta do que jamais poderiam imaginar."


Ian Curtis - Love will tear us apart


When routine bites hard,
And ambitions are low,
And resentment rides high,
But emotions won't grow,
And we're changing our ways,
Taking different roads.

Then love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

Why is the bedroom so cold?
You've turned away on your side.
Is my timing that flawed?
Our respect runs so dry.
Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives.

But love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

You cry out in your sleep,
All my failings exposed.
And there's a taste in my mouth,
As desperation takes hold.
Just that something so good
Just can't function no more.

But love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.
Love, love will tear us apart again.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Adeus Dinis Machado

Faleceu hoje em Lisboa com 78 anos de idade o escritor e jornalista Dinis Machado.
Dinis Machado, era jornalista desportivo, crítico de cinema e foi director da revista Tintin.
Como escritor, Dinis Machado é conhecido pelo livro "O Que Diz Molero", que é um marco da literatura moderna em Portugal, marcou uma geração devido à temática do mesmo e à sua escrita, simples e engraçada.
Mais tarde esse mesmo livro foi adaptado a teatro tendo o António Feio e o José Pedro Gomes como encenadores , causando um grande sucesso.
Escreveu igualmente vários romances policiais sob o pseudónimo Dennis McShade que estão a ser reeditados actualmente pela editora Assírio e Alvim.
Para além desses livros escreveu outros, em seu nome, que infelizmente não tiveram a saída e o reconhecimento que mereciam, passando um pouco à margem no circuito editorial nacional.
Este falecimento é uma grande perca para a literatura Portuguesa, Dinis Machado era um Homem "crítico" e inteligente, prova disso é a sua obra, principalmente "O Que Diz molero", que eu já li e que a todos aconselho que aborda temas complexos com uma suavidade e graça que nos deixam sempre com um sorriso na boca.