Depois de 1832 páginas divididas por três volumes, dei por concluida a leitura dessa épica e infelizmente tão desconhecida obra da literatura mundial do séc. XX que é "O Homem Sem Qualidades" de Robert Musil.
Robert Musil escritor Austríaco, contemporâneo de escritores germânicos como Thomas Mann ou Kafka, dedicou grande parte da sua vida a esta obra nunca chegando a termina-la.
"O Homem Sem Qualidades" é descrito pelo próprio Musil como um "não-romance"e um "um laboratório de possibilidades", devido à sua grandeza (tanto em tamanho físico como em qualidade literária) e à sua inconclusão.
A acção decorre na Viena do início do séc. XX mais propriamente em 1914, imediatamente antes da I Guerra Mundial que levou ao fim e ao desmembramento do Império Austro-Húngaro e traz a estória de Ulrich e da sua irmã Agathe e da sua relação tanto pessoal entre ambos como com o resto do mundo e da sociedade.
No primeiro volume (e maior) temos Ulrich um jovem não rico mas bem na vida, matemático, extremamente inteligente e pragmático mas sem ambições e preocupações que decide tirar umas "férias" até descobrir algo que realmente o empolgue.
De repente e sem querer vê-se envolvido numa "Acção Paralela", organizada pelo Conde de Leinsdorf que visa a comemoração do aniversário do Arquiduque Francisco.
Devido ao seu envolvimento nessa "Acção Paralela", Ulrich conhece a sua prima Diotima, também ela grande impulsionadora e mentora da "Acção Paralela" em cuja casa se realizavam as reuniões dos notáveis para decidir o que fazer.
Paralelamente temos também Clarisse e Walther, amigos de Ulrich que mantêm um casamento atribulado devido à quase insanidade de Clarisse, personagem muito própria que vai colocar questões filosóficas muito pertinentes durante todo o livro entretanto no final do primeiro volume o pai de Ulrich morre e ele reencontra a sua irmã Agathe que já não via há muitos anos.
No segundo volume Ulrich e a irmã Agathe envolvem-se numa relação muito intensa, sendo que ela divorcia-se do marido, vai viver com Ulrich e aos pouco e poucos vão-se afastando da vida em sociedade (deixando inclusivé a "Acção Paralela" e a casa de sua prima Diotima), passando apenas a viverem os dois isolados, lendo e discutindo problemas de "exactidão e alma", neste volume a relação de ambos vai-se tornando tão intensa, tão íntima que deixa sempre o leitor na dúvida sobre o que realmente se passa com eles.
No terceiro volume, temos a continuação da relação de Ulrich e Agathe e excertos, capítulos e partes do livros que ou nunca foram publicados ou foram alterados nas partes depois publicadas.
Para além da relação de Ulrich e Agathe, Musil aborda um leque vasto de questões, desde a história desse periodo, a política e as lutas independentistas dos vários países que compunham o Império Austro-Húngaro, como questões filosóficas, morais e religiosas.
É de facto um livro "enorme" como atrás referi tanto pelo tamanho como pela qualidade, sem dúvida um dos melhores livros do séc. XX, uma obra monumental que nos obriga a ler com muita calma e que nos põe a pensar sobre muitas questões.
Esta versão portuguesa, da D. Quixote está muito boa, tendo um prefácio que nos intoduz à obra e ao autor mas também aos critérios de organização e tradução da mesma (diga-se já um excelente trabalho), por parte de João Barrento.
Recomendo-o vivamente.