O senhor Valéry era perfeccionista.
Só tocava nas coisas que estavam à sua esquerda com a mão esquerda, e nas coisas que estavam à sua direita com a mão direita.
Ele dizia:
-O Mundo tem 2 lados: o direito e o esquerdo, tal como o corpo; e o erro surge quando alguém toca o lado direito do Mundo com o lado esquerdo do corpo, ou vice-versa.
Seguindo escrupulosamente esta teoria, o senhor Valéry explicava:
-Eu dividi a minha casa em dois, com uma linha.
E desenhava
Defini um lado direito e um lado esquerdo
-Assim, para os objectos do lado direito reservo a minha mão direita, e vice-versa.
Nesse momento, perante uma dúvida colocada por um amigo, o senhor Valéry explicou:
-Aos objectos muito pesados coloco-os exactamente com o seu centro na linha.
E desenhou
-Assim - explicava o senhor Valéry - posso carregá-los utilizando a mão esquerda e a mão direita, desde que tenha o cuidado de os transportar com o seu centro exactamente sobre a linha divisória.
-Para os objectos leves - continuou o senhor Valéry - não necessito de tantas preocupações: mudo-lhes a posição apenas com uma das mãos. A mão certa, claro.
-Mas como manter esse rigor em todas as situações? - perguntou-lhe o mesmo amigo: - Quando o senhor Valéry está de costas, por exemplo, como sabe qual a parte direita e esquerda da casa?
O senhor Valéry mostrou-se quase ofendido com a questão, pois não gostava de ser posto em causa, e respondeu, bruscamente:
-Eu nunca viro as costas às coisas.
(Isto era o que o senhor Valéry dizia, mas na verdade, para nunca se enganar, havia pintado todo o lado direito da casa, incluindo os seus objectos, de vermelho, e todo o lado esquerdo de azul. Assim se percebia melhor a verdadeira razão de o senhor Valéry ter pintado a sua mão direita de vermelho e a esquerda de azul. Não tinha sido um acto estético, como ele dizia. Era bem mais do que isso.)
Extracto de "O Senhor Valéry" de Gonçalo M. Tavares
1 comentário:
Ganda noia! :D
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