António Lobo
Antunes é para mim o maior e melhor autor português contemporâneo, tenho
praticamente todos o livros que ele escreveu e já os li quase todos e
interesso-me por tudo o que tenha a ver com ele, sua obra e vida.
Naturalmente
que quando houve toda esta “agitação” em torno do filme realizado pelo Ivo
Ferreira baseado neste livro, fiquei curioso e com uma grande vontade de o ver,
mas antes de o ver gostava de ler esse famoso livro que serviu de base ao
filme.
Por sorte
possuo o livro que me tinha sido oferecido à tempos atrás mas ainda não o tinha
lido e fui logo lê-lo.
A história
deste livro é curiosa, apesar das cartas terem sido escritas por António Lobo
Antunes à sua primeira esposa Maria José, foram as suas filhas (Maria José e
Joana Lobo Antunes) que a pedido da sua mãe as publicaram após a sua morte.
António Lobo
Antunes em janeiro de 1971, com 28 anos de idade, formado em medicina à pouco
mais de um ano, casado também à menos de seis meses e com a mulher grávida,
segue para Angola como alferes médico afim de cumprir os dois anos de serviço
militar em pleno auge da guerra colonial.
Como todos os
outros militares embarca no navio Vera Cruz em direção a Angola e logo no navio
começa a imensa escrita da correspondência entre ele e a esposa.
Apenas
interrompida quando da ida de férias a Lisboa e depois quando da vinda da esposa
e da filha para Angola quando foi colocado em Marimba em abril de 1972, sendo
retomada no período em que a esposa foi internada em Luanda devido a uma
hepatite entre agosto de 1972 e janeiro de 1973, terminando nessa altura, quando
tem alta e regressa para Marimba para junto do marido, voltando todos para
Lisboa em março de 1973.
António Lobo
Antunes quando chega a Angola é colocado na zona leste do país, na cidade de
Gago Coutinho, uma área isolada, junto da fronteira com a Zâmbia onde a guerra
era particularmente dura.
Como atrás
disse António Lobo Antunes praticamente desde o primeiro dia iniciou a sua correspondência
com a mulher e é essa correspondência que nos é dada a ler, sem qualquer tipo
de censura, nela António Lobo Antunes mostra todo o seu amor e desejo pela
esposa, o sofrimento por estar longe, separados por milhares de quilómetros, a
saudade e a angústia.
Mas mais que
todo esse amor, saudade e desejo,
António Lobo Antunes mostra-nos também a guerra, a vida militar em Angola, o
stress da guerra, o isolamento, estar constantemente em alerta, não dormir e
não conseguir descansar durante dias seguidos, comer mal, não ter água e
condições mínimas de higiene, as idas aos aquartelamentos longínquos,
participar em ações de guerra, assistir a ferimentos graves e a mortes tanto de
um lado como noutro.
Apesar de tudo
isto António Lobo Antunes também relata o seu dia a dia, o seu relacionamento
com os outros militares, com a sociedade civil (portuguesa e angolana), os seus
serviços extras como médico a dar consultas à população, mostra também a sua
preocupação com as coisas materiais, a procura de casa em Lisboa para viverem,
a falta de dinheiro, os exames da faculdade da esposa e evidentemente a
gravidez da mesma e a sua relação com a restante família.
Também a
parte literária não é esquecida, nestas cartas pede livros, dá a sua opinião
sobre esses mesmo livros e autores, e fala já com a sua ironia da vida
literária em Portugal, mas acima de tudo vai confidenciando à sua esposa como
lhe vai correndo a escrita de um seu primeiro livro.
Este é um
livro muito emocionante, são as palavras de um apaixonado que é colocado numa
situação extrema, de separação, isolamento e dureza incomparável, mas é ao
mesmo tempo duro e assertivo, um testemunho de um período tenebroso que
milhares de jovens que tal como António Lobo Antunes tiveram de atravessar e
que do qual muitos não regressaram ou então regressaram com feridas profundas,
tanto físicas como psicológicas e que infelizmente foram muito maltratados por
quem mais os devia proteger após a guerra, mas isso são outros assuntos que não
são para serem discutidos neste blog…
Recomendo a
leitura deste livro, mesmo para quem não aprecie os livros de António Lobo
Antunes, é totalmente diferente da sua ficção, esta foi (e ainda é) a realidade…